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 PASSADO QUE MARCA 

Éramos assim, seres desprovidos de direitos condenados ao silêncio. Pois, qualquer manifestação era tida na conta de sintoma. O quarto-forte, onde se ficava dias isolado, o eletrochoque, os pátios, os intermináveis comas insulínicos, a truculência dos torcedores de braços, os altos muros sem horizontes. São teias envolvendo mortificação, o paciente, principalmente, aqueles abandonados pela família. 

Milton Freire

internado aos 15 anos.

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Explorada no campo da medicina, das artes e da filosofia, a loucura é um tema inquietante para quem ousa desvendar o inconsciente. Mas, afinal, do que estamos tratando quando falamos em loucura? Onde estão os limites entre o normal e o insano? Quem determina a condição do louco e quem pode intervir? O diagnóstico da doença mental, muitas vezes, se faz por vias difusas.

 

Até mesmo autores como Foucault e Artaud já demonstravam, cada qual em sua época. A história da loucura sempre foi escrita por linhas de sofrimento e exclusão social. São relatos que se confundem com o senso comum da marginalidade ou com os caminhos trilhados pela própria ciência psiquiátrica.

Milton Freire, internado aos 15 anos | fotografia: Thiago Silva

    

"Essas pessoas não se adaptavam à sociedade e ao trabalho. A história da psiquiatria começou recolhendo quem não se adaptava ao sistema, ao capitalismo industrial”, aponta Milton Freire, diagnosticado aos 15 anos com esquizofrenia. Milton foi um dos primeiros a relatar os abusos vividos dentro dos manicômios, já que passou por inúmeras sessões de eletrochoque. Hoje, aos 70 anos, tornou-se referência no tema da Reforma Psiquiátrica.

Milton Freire 

ex-interno 

A história de Milton traduz bem o período de transição dos tratamentos psiquiátricos no Brasil. Ele foi internado em uma época em que os pacientes eram mais violentados do que propriamente tratados. Os eletrochoques e a lobotomia (intervenção cirúrgica no cérebro) faziam parte da rotina das instituições. Além disso, o descaso, o abandono e a precariedade higiênica também eram frequentes nesses ambientes.

 

Atualmente, ainda persiste, nas palavras “manicômio” e “hospício”, o sentido pejorativo. Mas, as influências da desinstitucionalização psiquiátrica, iniciada na Europa, contribuíram para a reorganização da estrutura hospitalar psiquiátrica brasileira.

 

“A desconstrução do manicômio é a substituição por um espaço mais humano e comunitário, que possa dar acesso ao tratamento psicossocial, ao invés daquele tradicional tratamento organicista que segregava, enclausurava e excluía”, conclui Milton.

 ESQUIZOFRENIA 

Quando se pensa em doenças da mente, a esquizofrenia, por ser um transtorno psicótico (que envolve delírio ou alucinação), é uma patologia que logo se destaca entre as outras. Isso porque associamos a ela a imagem do indivíduo desorientado ou sem controle de suas próprias ações. No entanto, como aponta o Dr. Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, o correto é dizermos “as esquizofrenias”, assim, no plural. Dessa forma, já se percebe a complexidade da doença e suas várias formas de manifestação, classificadas, aqui, pelo próprio Dr. Fernando.

 

“A esquizofrenia é um transtorno em que você começa a perder o contato com a realidade. Tem alucinação auditiva, delírio e perseguição. Você não é responsável por isso, porque é real para você. Essa é a esquizofrenia paranoide, a clássica”, ele explica.

Além do estado paranoico, a esquizofrenia também pode se manifestar de outros modos:

 

  • Na forma simples da doença, o esquizofrênico apresenta emoções erráticas, isolamento social, quase ausência de relações afetivas, mudança significativa de personalidade e até depressão.

  • Já na esquizofrenia desorganizada, são características o comportamento infantil, a apatia ou ausência de emoção, além da dificuldade de raciocínio.

  • Já a esquizofrenia catatônica tem os seguintes sintomas: músculos e postura tensos e rígidos, expressões faciais fora do normal e quase ausência de resposta às outras pessoas.

Geralmente, a esquizofrenia se manifesta na adolescência ou no início da idade adulta. Uma em cada cem pessoas, no mundo, possui a doença. A causa exata é desconhecida, mas as tendências genéticas, o ambiente e o desequilíbrio químico do cérebro são alguns dos fatores que podem contribuir para o quadro. “Nem todas as esquizofrenias duram a vida inteira. Por isso, é muito importante tratar o esquizofrênico logo no começo”, afirma o psiquiatra.

 

No Brasil, há cerca de 1,6 milhão de esquizofrênicos, sendo que, a cada ano, por volta de 50 mil pessoas manifestam a doença pela primeira vez. O transtorno atinge em igual proporção homens e mulheres. No entanto, os sintomas têm início mais cedo no homem, por volta dos 20 aos 25 anos de idade. Na mulher, estima-se a faixa dos 25 aos 30 anos. 

 

O diagnóstico é realizado a partir das manifestações da doença, já que não há nenhum tipo de exame de laboratório que permita confirmar o quadro. O tratamento tem duas abordagens: a medicamentosa e a psicossocial, pois visa o controle dos sintomas e a reintegração familiar e social dos pacientes. A maioria deles precisa utilizar a medicação ininterruptamente para evitar crises. Já a psicoterapia e a terapia ocupacional, entre outros procedimentos, podem ajudá-lo a lidar com as dificuldades diárias. 

 RELATOS DE OUTROS TRANSTORNOS 

 Ansiedade, síndrome do pânico e depressão 

A maioria das pessoas nunca vai compreender a que dimensão podem chegar os sintomas físicos gerados pelos transtornos psicológicos. Nunca havia sentido algo que me incapacitasse a esse ponto.

Jéssica Marques

21 anos

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É pensando nas crises de ansiedade que Jéssica Marques, 21, relata sua experiência. A estudante de Administração descreve o que muitos especialistas chamam de “somatização” ou “conversão”, ou seja, quando a mente já não suporta uma carga emotiva muito forte, que passa a ser descontada no organismo.  A dor emocional se transforma, assim, em dor física. “Quando cheguei no meu limite, fui parar por dois dias seguidos no hospital. No primeiro, tive dormência em todo o corpo, cheguei a vomitar. Minha mãe pensou que eu estava tendo um derrame. Voltei no dia seguinte com dificuldade de respirar e sintomas de infarto. Me davam soro, injeção, doses pesadas de remédios, segundo a enfermeira... e a dor não passava. Minha enxaqueca habitual evoluiu para uma dor de cabeça esmagadora. E então começou a correria de meses fazendo eletros, tomografias e marcando presença frequente em consultórios médicos. Vivo com medo de que aconteça de novo naquele nível”, conta Jéssica. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, os transtornos mentais são a segunda maior causa dos atendimentos de urgência.

O sentimento de ansiedade é uma reação comum diante das situações de estresse ou incerteza. No entanto, diz-se que alguém possui transtorno de ansiedade quando a angústia é tanta e tão frequente que começa a comprometer as atividades diárias. Um dos sintomas vinculados a esse distúrbio é a chamada Síndrome do Pensamento Acelerado, ou SPA, quando a pessoa se perde em inúmeros pensamentos que lhe trazem inquietude e dificuldade em pensar realmente com clareza, gerando extremo esgotamento mental.  Dentre os vários níveis da ansiedade, também se destaca a síndrome do pânico, em que o medo intenso tende a aparecer, principalmente em lugares cheios, associado com sentimentos de morte iminente. Os sintomas incluem falta de ar, palpitações, dor no peito e desconforto. É o caso da dona de casa Lívia Cristina, de 53 anos. Aos 28, ela mal conseguia sair de casa por causa dos ataques de pânico e da depressão. “Eu tinha dificuldade de concentração, medo do dia e da noite, chorava o tempo todo”, lembra Lívia.

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A depressão é um transtorno de humor que acomete cerca de 350 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas. É, também, o distúrbio mental que mais incapacita as pessoas. O estigma em torno dessa doença é extenso, principalmente porque resiste, na sociedade, a imagem do depressivo que apenas sente tristeza e preguiça. Não é bem assim. O transtorno depressivo é debilitante, e afeta a maneira como uma pessoa se sente, pensa e age. Pode também causar sintomas físicos, como problemas de digestão, insônia, fadiga e mal-estar.

Sentindo dificuldade em lidar com a ansiedade e a depressão, Bruna Figuerêdo, 18 anos, criou no Facebook a página “Você não está louca”, com o objetivo de informar e ajudar pessoas com transtornos psicológicos. Atualmente, a página soma mais de 80 mil seguidores, que se apoiam e compartilham suas histórias.

"A página foi criada exatamente para motivar a não pararem de tentar. Compartilhamos mensagens positivas diariamente, lembrando sempre que não estamos loucas e que nossa dor, nossos sentimentos, são reais e podem ser tratados”, explica a estudante de Pedagogia. Ela ainda acrescenta:

“Muitas pessoas que sofrem com transtornos psicológicos são tratadas como se fossem invisíveis. A maior dificuldade é lidar com as próprias limitações. Os outros têm dificuldade de enxergar o quanto elas estão tentando, todos os dias. As pessoas costumam achar difícil acreditar em um problema que não se enxerga, não é palpável. É terrível, porque só aumenta a dor de quem possui o transtorno. É importante explicarmos com todo tipo de informação que obtemos, para conscientizar tanto quem convive, quanto quem sofre. As pessoas precisam entender que é real. Não é bonito, não é fofo, muito menos romântico”.

Quando surgiu a ideia de expandir a iniciativa através de um blog, Bruna, que mora em Feira de Santana, na Bahia, se juntou à Denise Dantas, 22, estudante de Letras de Florianópolis, Santa Catarina. Denise conta de onde surgiu a necessidade de se juntar ao projeto, que conta com mais seis colaboradoras.

“Fui chamada de louca algumas vezes no início do tratamento, e ainda sou hoje em dia, muitas vezes, por pessoas próximas. Isso já me machucou muito, principalmente durante as crises. Sempre gostei de ajudar os outros, e falar sobre isso foi um meio que encontrei que faz bem para quem está do outro lado e para mim. Há um preconceito absurdo com a questão, e tem muita gente sofrendo, sem informação, não só pelos transtornos que tem, mas pela forma como eles são tratados pela sociedade. Essas pessoas precisam saber que elas não são loucas e não estão sozinhas”, ela diz. 

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