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NISE - O CORAÇÃO DA LOUCURA

 

O longa narra como a doutora Nise lutou contra o sistema de sua época, introduzindo, antes de mais nada, o amor e a dedicação no trato com seus clientes, e como transformou o setor de terapia ocupacional do hospital em um importante laboratório para os tratamentos alternativos.


Glória Pires é quem interpreta a psiquiatra. Em entrevista exclusiva para essa reportagem, a atriz conta como foi dar vida à doutora justamente em seu local de trabalho, o antigo Hospital Pedro II. "Tivemos alguns clientes que participaram das filmagens e alguns que participaram do dia-a-dia, por trás das câmeras. Foi um convívio ótimo, especial", conta a atriz. "Acho que ela (Nise) traz essa mensagem de um olhar humano para o outro, fazendo o que é possível a ela, um gesto mínimo que se torna grandioso, atemporal, internacional", Glória acrescenta. Confira, ao lado, a entrevista.

O filme que conta a trajetória da doutora Nise da Silveira, no hospital do Engenho de Dentro, estreou nos cinemas em abril deste ano, já com boas referências. A produção cinematográfica, dirigida por Roberto Berliner, conquistou, no ano passado, o prêmio de melhor filme no Festival de Tóquio.


Nise – o Coração da Loucura, é um retrato da psiquiatria no Brasil e no mundo em plena década de 40, onde as mais modernas técnicas de tratamento eram o eletrochoque e a lobotomia.

  • Quais foram as etapas do seu trabalho de pesquisa para interpretar a personagem? Com quem conversou e que materiais consultou?

  • Como foi entrar no universo psíquico? O que de novo você aprendeu que gostaria de compartilhar?

  • Na sua percepção, que aspectos da produção a fizeram obter o prêmio de melhor filme no Festival de Tóquio do ano passado? A temática pode ter contribuído?  

  • Muitas pessoas que trabalham no hospital do Engenho de Dentro tiveram contato direto com a doutora Nise. Como foi interpretá-la em seu local de trabalho, sabendo que ela está muito viva na lembrança dessas pessoas?

ENTREVISTA COM GLÓRIA PIRES

 TERAPIA OCUPACIONAL 

O filme “Nise – O coração da Loucura” chama a atenção para uma importante área no setor da saúde que ainda hoje é desconhecida por muitas pessoas. Ao retornar às suas atividades como médica na década de 40, no hospital psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, a doutora Nise da Silveira vai trabalhar no setor de terapia ocupacional. Entretanto, a situação com a qual ela se depara deixa claro que naquele espaço ainda não se tinha compreendido a importância deste tipo de tratamento.

A terapia ocupacional visa a aplicação do trabalho e lazer no tratamento de pacientes com dificuldades tanto físicas quanto mentais. O objetivo é dar autonomia e trabalhar com o aspecto da reinserção social. No caso dos pacientes psiquiátricos, sobretudo esquizofrênicos, a utilização de manifestações artísticas nesse processo permite dar a estas pessoas outra forma de expressão e maneiras de diálogo que não sejam por meio da palavra, que nem sempre é capaz de refletir as mais profundas emoções e percepções humanas.

O que a doutora Nise encontrou, assim que chegou no hospital do Engenho de Dentro, foi a utilização gratuita da mão de obra dos pacientes. Eles produziam colchões, sapatos, chinelos, uniformes e outros utensílios que eram apropriados pelo hospital, além de serem empregados em atividades como limpeza e lavanderia.

Nise começa a desenvolver uma série de atividades com esses pacientes visando constituir uma terapia ocupacional propriamente dita. Era só o início de uma série de trabalhos. Aliás, ela não gostava do termo “Terapia Ocupacional”, porque o considerava  “antipático” e “arrogante”, colocando os clientes em um nível passivo e de subjulgação. Preferia, ao invés, utilizar a expressão “emoção de lidar”, mais afetuosa e humana.

A psiquiatra Gladys Schincariol e a terapeuta Vânia Martins trabalharam diretamente com a doutora Nise. A doutora Gladys conta sobre a importância da inserção da terapia ocupacional no tratamento dos pacientes psiquiátricos e alguns resultados dessa prática:

 MUSEU DE IMAGENS DO INCONSCIENTE 

O Museu Imagens do Inconsciente surgiu em 1952, seis anos após a inauguração do ateliê de pintura e escultura no antigo Hospital Pedro II pela doutora Nise. O espaço foi fundado para preservar os trabalhos dos clientes e para fortalecer os estudos científicos na área.

Neste sentido, Nise começa a perceber uma certa padronização nas obras de alguns de seus clientes, como figuras em formato de mandalas. Ao se corresponder com Carl Jung, confirma sua tese de que tais padrões são uma tentativa de arranjo mental, uma maneira de compensar sua dissociação psíquica.

O museu é dividido entre obras do chamado período histórico e obras mais atuais. O período histórico é constituído pelas obras datadas até o ano de 1999, época em que faleceu a doutora Nise. Neste caso, são trabalhos de clientes que conviveram diretamente com ela. Os mais famosos, que são inclusive retratados no filme, foram Fernando Diniz, Adelina Gomez e Carlos Pertuis.

No entanto, a produção continua. Por isso, o Museu é chamado de “museu vivo”. Nada é jogado fora, nem comercializado, ao mesmo tempo que nenhuma obra pode deixar o local. A partir do momento em que lá são produzidas, há o recolhimento imediato para o arquivo permanente. Por causa desse ritmo incessante, o Museu conta atualmente com mais de 350 mil peças, entre telas, pinturas, desenhos e modelagens. 

Dos 52 clientes que participam atualmente das atividades do espaço, a grande maioria não está sob o regime de internato. Além disso, muitos são encaminhados pelos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), como um complemento ao seu tratamento.

O Museu faz parte da estrutura do atual Instituto Municipal Nise da Silveira, mais recente denominação do hospital psiquiátrico, que foi municipalizado em 1999. A Secretaria de Saúde entra com subsídios na parte de serviços básicos, como limpeza, vigilância e estrutura. No entanto, é a Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente, associação sem fins lucrativos criada pela própria doutora Nise, em 1974, que oferece apoio para a organização de exposições e eventos internos e externos.

 HOTEL DA LOUCURA 

Outro espaço que fica dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira é mais recente. O ano de 2012 marcou a inauguração do chamado Hotel da Loucura, idealizado pelo médico e artista Vitor Pordeus, assessor de cultura da Secretaria de Saúde do município do Rio de Janeiro. O Hotel ocupa todo o terceiro andar do hospital.

Paulo Weber Pinto, agente cultural de saúde, conta que o andar, onde já funcionaram enfermarias, havia se tornado um depósito de utensílios hospitalares. “Foi aí que começamos a limpar e a construir o sonho do Hotel da Loucura, que até então era meio utópico para os funcionários. Só que, na cabeça do Vitor Pordeus, já era uma coisa bem determinada. E, assim, ele fez”, conta Paulo.

São inúmeras as atividades oferecidas, todas com o propósito de melhorar a condição de vida dos clientes e dar a eles possibilidades de expressão. Há oficinas de desenho e pintura, massagem, dança, canto, teatro, passeios externos, exibição de filmes, entre outras. Atualmente, o grupo de teatro ensaia a peça “Fausto – o sonho da razão produz monstros”, baseada na obra do escritor alemão Johann Goethe.

O Hotel da Loucura possui este nome porque permite que médicos, artistas e visitantes se hospedem em um dos nove quartos da antiga enfermaria do 3º andar, agora ricamente enfeitados. Em troca, é solicitado ao hóspede que ele ofereça algum tipo de contribuição criativa, como um trabalho com os clientes ou um projeto externo. Os quartos também são utilizados quando acontecem congressos no local.

As paredes do Hotel da Loucura são coloridas com desenhos e frases de visitantes, clientes, funcionários e artistas, e contrastam com os demais andares do hospital. Logo acima, ainda há pacientes internados, alguns deles em regime de clausura, por não terem condição de transitarem pelo hospital. Atualmente, há pouco menos de 200 internos na instituição, que já chegou a abrigar quase cinco mil no passado. 

 CASA DAS PALMEIRAS 

A Casa das Palmeiras é um pequeno território livre.

Nise da Silveira

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A Casa da Palmeiras é outro reduto da terapia ocupacional na área de saúde mental. Foi fundada pela própria doutora Nise, no ano de 1956. Atualmente, localizada em Botafogo, desde 1981, a casa já teve sua sede em dois diferentes endereços no bairro da Tijuca.

Preocupada com a grande quantidade de pacientes reinternados, Nise decide criar “uma ponte entre o hospital e a vida em sociedade”, de acordo com suas próprias palavras. A Casa funciona como uma espécie de externato, no qual o paciente não é separado do convívio com sua família e a sociedade. Devido a essas características, é apontada por muitos médicos da área como o primeiro CAPS (importantes marcos da reforma psiquiátrica no Brasil). Objetivo alcançado, de acordo com o próprio paciente Milton Freire, que relata que a Casa o permitiu se reestruturar.

Ao fundar este espaço, Nise tinha em mente o desejo de que a terapia ocupacional fosse utilizada como parte integrante do tratamento dos seus clientes, e não como mera distração ou passatempo, maneira como esse método era visto por muitos médicos em sua época. 

Jean-Pierre Hargreaves é vice-presidente da Casa das Palmeiras. Apesar do cargo, ele diz que não há hierarquia no local e que todos se respeitam e contribuem mutuamente para o bem-estar dos clientes: “O trabalho aqui desenvolvido é visionário e continua revolucionário. Isso aqui é um centro de convivência e expressão. É uma instituição de portas abertas, onde a pessoa pode vir e ser o que ela pode ser. E todo mundo vai respeitar, vai ouvir. Não tem uma hierarquia, não tem uma questão de poder. A palavra de todo mundo tem o mesmo valor".

Além das tradicionais áreas de pintura, desenho e modelagem, a Casa das Palmeiras também oferece atividades nas áreas de tapeçaria, xilogravura, jardinagem, jornal, salão de beleza, entre outras.

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